domingo, 31 de julho de 2011

Jairo Cesar Attademo - 50 anos.wmv - nem sei como agradecer tanta emoção.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Quebec - há lugares que não se consegue descrever

Pequena amostra da arquitetura de Quebec. A capital da província canadense de mesmo nome é um primor em vários sentidos. Não dá para comparar com coisa alguma, principalmente a educação do povo na preservação e no uso adequado do que é belo.

sábado, 23 de julho de 2011

CASAMENTO EM PERIGO

Um dia me meti a fazer teatro. Não digo que foi ruim, porque  de tudo se pode tirar proveito, até de clichês feito esse.  
Culpado: meu primo Jair, inteligente o suficiente para ser neurocirurgião e fazer teatro por amor à arte. Já eu nunca abri a cabeça de ninguém, apesar da vontade de, algumas vezes, fazer isso menos tecnicamente.
No final dos anos setenta, assisti à trupe dele atuando e gostei. Era uma peça engraçada e tinha umas meninas bem apanhadinhas no elenco. Quando me convidou para ensaiar um texto seu, fui, para aprender  algumas técnicas que uso até hoje para azar dos que me aturam.
A peça era sobre um casal em crise. Fiz um personagem cafajeste, doido pra pegar a mulher do protagonista.
Tinha 16 anos. Pintei um bigodinho ridículo com sei lá que tinta,  emplastei o cabelo com sei lá que tipo de meleca e me enfiei num terno sei lá de quem. Assim compus o personagem. Conseguimos estrear depois de muita divulgação colando cartazes nos muros da cidade, usando um grude horroroso de polvilho.
Na época, trabalhava numa gráfica e consegui um patrocínio para imprimir os cartazes. Saímos pela vida colando papel e arrancando alguns outros de um circo que estrearia na mesma data.  Ah, tenha paciência... a cidade não tinha um teatro há sei lá quantos anos e logo em nossa estreia teríamos de competir com um circo?
Arrancamos todos os cartazes que encontramos  até dar de cara com os delicados rapazes que os colavam. O mais franzino era aquele que dava uma gravata no leão. Os demais eram apenas trapezistas e tratadores de elefantes.  Acho que nunca corri tanto na vida. Cheguei a ver minha sombra me ultrapassando. Meu primo? Desapareceu como um ninja. Poderia arrumar emprego de mágico no concorrente, tal sua destreza em escafeder-se com  baldes de grude e  pilhas de cartazes.
Revestimos o que pudemos com nossos folhetos.  Todo muro da cidade tinha material nosso. Claro que, de alguns, tivemos de retirar sob pena de ir parar na cadeia, sabem como são as propriedades particulares, costumam ter donos mal humorados.
A época era de ditadura, tudo censurado.  Nossa peça era uma comédia em dois atos, sem pretensão política, puro entretenimento. Pelo menos é isso o que eu acho eu até hoje. Com muita negociação, conseguimos alugar o anfiteatro de um colégio de freiras. Claro, elas quiseram saber do que se tratava. Leram o texto, gostaram e liberaram.
Nosso grupo tinha até administradora de sala, que, quando o espetáculo começou, trancou a porta e mais ninguém entrou. Não sei de onde ela tirou essa inteligente ideia. Boa parte dos potenciais pagantes ficou fora, incluindo dois repórteres que não iriam pagar.
Assim, sem mais burocracia, chegou o dia. Trinta e cinco pagantes num teatro que tinha duzentas cadeiras de palhinha. Olhando por um buraco na cortina, vislumbrei o que parecia uma barraquinha de  tiro ao alvo: um ali, dez buracos mais pra lá, dois pra cá, vinte vácuos alhures.
Somando os repórteres  com os que ficaram trancados lá fora, creio que fornecemos mais uns oito espectadores para o circo, para gáudio dos trapezistas e tratadores que não conseguiram bater na gente.
Todos estávamos nervosos. Olhando de novo pelo buraco da cortina, vi um sujeito gordo e muito sério  sentado na primeira fila. Sozinho. Começamos a nos perguntar o que significava aquele sujeito ali. Com toda certeza um censor do governo. Ou um fiscal, um guarda, uma autoridade.  Ninguém pensava nada que prestasse sobre o homem. O jeito era começar logo, a hora estava chegando.
O grupo tinha um sonoplasta, o Domingos, colega de classe e maluco por tecnologia. Por isso seu equipamento era um gravador portátil a pilha, um bumbo de fanfarra, um despertador extremamente barulhento emprestado de minha avó e algumas fitas cassete com a trilha sonora composta por um sambinha que tocava na hora de uma briga e mais algumas maluquices gravadas que nunca entravam na hora certa. Apesar da competência dele, claro que aquela parafernália não tinha potencial para funcionar direito.
Primeira cena:  meu primo dormindo num sofá.  Som de despertador.
(O relógio usado em cena não tocava, era falso. Quem disparava o despertador era o Domingos, na coxia).
Segue-se a cena:  Jair ouve o despertador,  acorda, espreguiça-se, pega seu relógio falso e finge desligá-lo.
(Nesse momento, o sonoplasta  desliga o despertador real).
Segue-se a cena: o despertador do Domingos toca lindamente. O pobre sonoplasta não consegue desligá-lo. Algo acontece fora do script. Lá, no palco, o pobre ator bate no relógio falso e nada da sirene parar. Público cai na gargalhada. Não prevista.
Segue-se a cena: o  ator, no auge da adrenalina, manda o relógio falso em direção a Domingos, que se não se desvia poderia ter morrido ali mesmo. Sonoplasta quebra o relógio verdadeiro para que o miserável pare de tocar. Público quase morre de tanto rir.
Quando entrei  em cena, meu batimento cardíaco era percebido pela famosa velhinha surda da última fila, para quem, segundo as regras do teatro amador de minha época, todo ator deveria falar, soltando o gogó (coitados dos bons de ouvido da primeira fila).
Para liberar a adrenalina, antes de falar meu texto, tirei o lenço do bolso e simulei uma escarrada magistral que fez o público rir de novo. Ou de nojo. Depois percebi que não foram meus dotes de ator que fizeram os espectadores gargalharem. Eles riram porque quando limpei o nariz, limpei também o bigodinho.
Lá pelas tantas, com a simpatia do público conquistada (ou a pena), entrava em cena uma empregada doméstica.
Era a personagem da fofoca, com texto grande.  No meio de uma discussão comigo, a criatura parou os olhos e ficou toda branca, mais do que a maquiagem de gueixa que usava. Eu ali, esperando minha deixa e nada.  De repente, como uma rolha de champanhe, ela se vira pra mim e diz: “ah, vai, faz você”.
- Ahn? Como assim, “faz você?”
- É, faz qualquer coisa aí.
- Er... ahn... bem... e inventei qualquer coisa até ser salvo sei lá por quem.
Risos e intervalo.
O segundo ato exigiria um pouco mais da mocinha da história, a que fazia o papel de esposa do personagem principal. Sei lá se por causa de tantas confusões no primeiro ato, deu nela uma crise de choro. Pranto convulso. Fui oferecer meu lenço bigodado e só piorei as coisas. Levei a pobrezinha lá para os corredores do colégio para que o respeitável público não ouvisse lamentos tão doloridos. Meu primo tentou algumas táticas de relaxamento que acabaram fazendo o choro virar gargalhada, só que mais nervosa ainda. Ela não parava agora era de rir.
O segundo ato correu sem maiores confusões e com poucos brancos. Isso até o momento da briga.  Quase no final da peça, aconteceria a famosa briga com o sambinha no fundo. Eu e o personagem principal tentaríamos nos agredir e a empregada apartaria a coisa, apoiada por um carteiro que subiria no sofá e pularia sobre todos.  Para nós essa seria a parte mais fácil, nem texto tinha. E foi bem ensaiada, diga-se.
Claro que o sofá quebrou com o carteiro em cima e ele (o carteiro, não o sofá) desabou de mau jeito por cima da coitada, que caiu de joelhos e não mais se levantou, enquanto o carteiro bateu com a cabeça no chão. Eu e meu primo saímos no soco de verdade, pois os miseráveis deveriam nos separar, mas nenhum deles conseguia se levantar. E assim fomos, eu e meu primo, trocando sopapos até as coxias, implorando pro Domingos fechar a cortina e dar aquele show de horrores por terminado.
Aplaudidos de pé. Por mais de dez minutos. Sucesso absoluto. Os dois dias seguintes tiveram casa quase cheia. O problema era repetir o que fizemos no primeiro dia. Não conseguimos, mas fizemos melhor, ou melhor dizendo, pior. E, nesse caso, quanto pior, melhor.
Ah, e o cara gordo, censor do governo, policial, guarda, autoridade? Era um ator, de nossa terra, radicado no Rio. Durante a peça, sua barriga subia e descia, galopando em gargalhadas. Anos depois, pude vê-lo atuando em uma novela das seis da Globo, filmada em São João Del Rei, na qual fazia um soldado muito divertido.
O pior foi convencer a madre superiora a liberar o teatro para os dois dias seguintes. Agravamos a coisa porque, devido aos brancos e confusões, improvisamos alguns palavrões delicados e familiares no meio das frases, até para fazer o público rir mais um pouco. Naquela época, qualquer FDP ou PQP tinha uma sonoridade explosiva, ainda mais dentro de um teatro de colégio de freiras, que Deus não nos envie para o purgatório. Prometemos não repetir os palavrões nos dias seguintes.
Realmente, não os repetimos. Falamos outros.
No meio de tantas verdades, os respingos de exagero são apenas um tempero, porque ainda há muito mais para colocar aqui, envolvendo essa e outras trupes com as quais me envolvi e que envolveram esse coração cinquentão com muita, mas muita saudade.
Ano: 1978
Local: Barbacema
Teatro:  Colégio Imaculada.
Atores: Jair, Lucrécia, Beth, Zé Otávio, Lurdinha.
Sonoplasta: Domingos.
Peça: Casamento em Perigo, de Jair Raso, em dois atos (depois ele inseriu um ato no meio dos dois, mas aí é outra história).