sábado, 7 de abril de 2012

O QUE QUE EU VOU DIZER EM CASA



Não, não inventei o programa O QUE EU EU VOU DIZER EM CASA. Tudo bem, coloquei o título, redigia, dirigia, gravava e editava, além de escolher os malucos que iriam gravá-lo comigo. Para quem não se lembra ou não sabe (o que é plenamente normal para os nascidos depois de 1980 e os não-moradores de Barbacena), esse programa foi um marco. Sem modéstia.

Como muitos têm ciência, fui um dos fundadores da FM SUCESSO, a primeira FM da região da Mantiqueira. Até então, nossa gente, naqueles idos de 1985, só conseguiam sintonizar a FM de Juiz de Fora. Som local mesmo, só de AM. Nada contra, comecei lá e gostaria de terminar lá também, mas quando se fala em som, principalmente naqueles idos, o caminho era FM.

Depois de muita, mas muita luta e muitos anos, o Hélio Costa conseguiu, enfim, colocar no ar sua sonhada rádio e eu estava lá, fazendo parte da história. E como se tratava do Hélio, vindo da Rede Globo, ex-diretor do escritório da platinada em Nova Iorque, aparições no Fantástico há mais de uma década com as mais empolgantes reportagens sobre ciência, o que não faltava nele era vontade de fazer coisas diferentes.

Depois de nos desafiar para criar a Retrospectiva do Ano (e que fizemos virar show), ele veio com mais uma: um programa no carnaval que retratasse as ocorrências policiais com humor, no estilo de A CIDADE CONTRA O CRIME, que a Rádio Globo apresentava todo dia.

Proposta colocada sobre a mesa, parti para a ideia. Chamei alguns malucos como eu, contadores de piada, imitadores e criadores de personagens. Arrisco-me a dizer que, de todos os convidados, o menos maluco era eu. Dinheiro para isto? Nenhum. O projeto que me coube não contemplava isto. Naquela época, aos vinte e poucos anos anos, o que eu queria era manter meu salário e acho que todos pensavam o mesmo.

No começo, nem patrocínio tinha. Posteriormente, devido à alta audiência (sério, tinha muita), conseguimos, por osmose, sem fazer força, um patrocinador exclusivo, que ajudava a pagar algumas despesas. Alguns participantes se metiam a fazer camisetas do programa para vender, só para divulgar. Lucro mesmo, pouco.

Só que aquilo dava um prazer incomensurável. O primeiro programa foi ao ar no carnaval de 1986, repetindo-se anualmente até 2003, creio. Os últimos já não tinham a minha participação.

Meu carnaval era esse programa, que ia ao ar de sábado à quarta-feira de cinzas, edição inédita às cinco da tarde e reprise ao meio dia do dia seguinte. Essa de repetir ao meio-dia foi ideia minha, porque dava um trabalhão danado editar aquilo tudo, desde as locuções, efeitos especiais, ruídos feitos dentro do estúdio, palavrões, tudo para transformar vinte minutos de programa em uma coisa engraçada.

Participaram comigo, entre um ano e outro do programa, os seguintes radialistas de humor irreverente: Tarcísio Santos (o Zé Rural), Gê Menezes, Pedro Gurgel, Cristovam Abranches, Sílvio Freitas, Jorge Velludo (o Tio Max), Evandro Voz de Paulo Francis, Rodrigo Madeira (o seu Janú), Jackson Nascimento, Zé Rubens, Ricardo Salim e Rogério Barbosa. Se me esqueci de alguém, queiram perdoar, faz muitos anos isto. No início a edição era feita pelo Toinzinho (Tom Mix), mas acho que a loucura era tanta que ele passou o estilete para mim.

Explico: a coisa não era digital como hoje. A edição era feita em gravador de rolo, utilizando caneta pilot, fita adesiva e estilete.  Eu ouvia cada trecho, colocava no modo de edição, rodava o rolo pra frente e pra trás a fim de tirar ruídos, buracos, conversas em off e inserir algum efeito ou música. Daí era cortar a fita em dois locais, retirar o excesso e colar uma ponta na outra com uma fita adesiva especial. Aprendi a editar de forma tão rápida, mas tão rápida, que às vezes cortei os dedos. É, dei meu sangue por esse programa...

O problema era entrar no ar exatamente às cinco. Era um tal de entrar atrasado, depois do intervalo comercial...É que começávamos a gravar por volta da uma da tarde, terminávamos a besteirada por volta das três e meia e tínhamos pouco mais de uma hora para transformar aquele monte de coisa lida aos gritos em alguma coisa limpa. Dava trabalho editar e por isto sugeri repetir a edição no dia seguinte ao meio dia, para valorizar. Fez sucesso. A do meio-dia, pelo menos, sempre saía pontualmente.

A redação eu mesmo fazia, com apoio dos amigos. Vinha um boletim da polícia militar, cópia do que o Soldado Valério lia na rádio, contendo as ocorrências do dia anterior: bebedeiras, tombos, brigas, bebedeiras, confusões, empurra-empurra, bebedeiras, furtos, roubos, facadas, bebedeiras e mais bebedeiras.

Depois de criado o roteiro (que eu começava a redigir de manhã), onde eu sugeria as encenações necessárias, vozes, paródias, poesias e músicas malucas, íamos (sem bebedeira alguma) para o estúdio. Terminada a gravação, o Toinzinho saía e me deixava às voltas com os rolos e rolos de fita pra editar.

O primeiro programa, lembro-me até hoje, foi um misto de apreensão e alegria. Fiquei no lado de fora da rádio esperando entrar no ar algo que não sabia se ia dar certo. O Hélio, com seu rádio de pilha e fone de ouvido, ficou por ali esperando para ouvir o que nem nós, nem ele, tínhamos feito na vida.

Quando o vi, sentado lá fora, dando gargalhadas até as lágrimas, tive certeza que deu certo. Daí pra frente, a liberdade de criação tomou conta e o que era para ser um programa policial com toque humorístico virou um programa de humor baseado em eventuais ocorrências policiais que apareciam ou a gente mesmo inventava, na falta de coisas mais criativas acontecerem. Ou era briga, ou era bebedeira ou eram as duas coisas. Aliás, se não fosse a cachaça, não teríamos matéria-prima.

A cara do humorístico mudou muitas vezes. No início, o prefixo era aquela música do Ultraje a Rigor, Cafajestes do Brasil. Depois passamos a usar outro, do Casseta e Planeta, "Eu tou Tristâo". Esse soltava um verdadeiro palavrão..."eu tou tristão, tou sofrendo pra c..."

Depois de uns três anos usando esse prefixo e ninguém falar nada (cheguei a pensar que ninguém ouvia), o gerente da rádio, Sr. Zezinho, irmão do Hélio, ouvindo-me editar, ficou horrorizado: "mas vocês colocam esse palavrão no ar?" Fazer o quê... já que fui questionado, o melhor foi responder a verdade: "quê isso, sô Zezinho, eu edito".

Uma das coisas mais engraçadas que aconteceu foi o lance do "mistral". Estávamos fazendo uma sátira sobre os banheiros químicos que a prefeitura colocou na praça e que viviam entupidos, provocando mais fedentina que as ladeiras urinárias da cidade. Ocorre que banheiro químico é pra fazer chichi, não para o número dois. Só que não contaram isso para alguns foliões, que, depois da cachaçada, usavam aquelas geladeiras azuis para se aliviar por cima e por baixo, aliás, por todos os orifícios que possuíam.

Pois fomos satirizar isso. No estúdio havia um tubo de desodorante daquela antiga marca "Mistral", que servia para molhar as faixas dos discos e eles tocarem sem aquele ruído.  Para fazer o som de alguém urinando no banheirinho químico, nos valemos de uma chaleira que havia por lá e uma lata de goiabada. Enchíamos a lata com a água proveniente da chaleira, enquanto gravávamos o som caindo no fundo da lata... “ aaahhhh... que bom fazer um chichizinho”... alguém, não sei quem foi, colocou o tubo de desodorante dentro da chaleira e o danado caiu na lata fazendo um ploft característico de número dois. E um gaiato, em plena gravação, soltou esta: “aaahhhh... como é bom soltar o mistral”... pronto, pegou. Colocamos isso no ar e as pessoas, na cidade, só falavam isto: “vou ali fazer um mistral e já volto.”

Uma das coisas que mais marcou o programa foi A CASA FIRMINO. Era uma propaganda fictícia, inventada pelo hoje Zé Rural por acaso, como muitas coisas boas são inventadas. Estava ele imitando um locutor de voz desanimada que havia na cidade, apregoando artigos totalmente incongruentes de uma certa loja que existia na cabeça dele.

Como ele tem por sobrenome FIRMINO, criamos uma loja com o mesmo nome:CASA FIRMINO, TUDO PRA VOCÊ, PRA MUIÉ E PRO MININO... e o Tarcísio, com um fundo musical desafinando, após ser apresentado entusiasticamente por mim, entrava horrorosamente desanimado: “oi gente, cá estamos nóis travês procêis, com a CASA FIRMINO, TUDO PRA VOCÊ, PRA MUIÉ E PRO MININO... temos ogiva nuclear, sandália havaiana, arroz, feijão, Passat, Voyage e supositório de pimenta...” 

Um comerciante local, de muita tradição, cuja loja era um arremedo de Casa Firmino, chegou a nos procurar para patrocinar a coisa. Disse: “mas vocês copiaram meu estoque todo, assim não vale”.

Um dia, um capitão da PM foi à rádio e pediu para ouvir o programa. Pensei: “hoje saio daqui preso”. Foi depois da estreia do programa. Claro que uma coisa assim, tão irreverente, no interior de Minas, anos oitenta, era para provocar reação. O capitão ficou ali, na redação, ouvindo tudo, acho que segurando o riso. A uma certa altura levantou-se, apertou minha mão, disse que estava tudo bem e saiu. Acho até hoje que foi rir lá fora.

Outro dia coloquei essa foto na comunidade Loucos por Barbacena, no Facebook. Li comentários de pessoas que não conheço, mas que me alegraram muito o coração. Chegaram a dizer que o programa lhes marcou a infância e adolescência.

São essas coisas que marcam. São essas marcas que alegram o coração das pessoas que nos fazem sentir, dentre outras tantas coisas, que vale a pena passar pela vida.