sábado, 6 de julho de 2013

Filhos: uma explicação nada convincente.

Não há explicação.
O que aconteceu na nossa vida, Deus?
Como num tsunami, toda minha vida, nossas vidas, transformaram-se em outras.
Eu virei outro.
Como pode um ser tão pequeno fazer isto?
Vi meus próprios olhos ali, diante de mim.
Nunca mais esquecerei aquele olhar. 
Nem aquela pausa que o mundo fez.
Dizem que você não via nada naquele momento.
Duvido.
Naquele momento tudo fez um sentido enorme.
 Vi passado, presente e futuro.
Vi a criança que fui, o adolescente, o homem.
 Vi os três em um só.
E você, em silêncio, perguntava: está pronto para mim?
Compartilhei o ar pela primeira vez com você.
E o ar se tornou outro.
Cortaram o cordão que lhe unia à mãe.
 Espessaram-se os laços das nossas almas.
Nunca mais esqueço e nunca mais vamos esquecer.
Tudo virou do avesso, meu medo e minha coragem.
Senti junto ao peito o coração que por tantos dias batia protegido.
Como tomado por uma névoa que dividiu toda nossas vidas, levamos você conosco.
Ouvimos e amamos cada nova sílaba aprendida e repetida.
Sofremos todas suas febres e dores.
Pedimos para que Deus nos fizesse sofrer em seu lugar.
Como pedimos.
Disfarçamos o peito apertado ao vê-lo  indo para a escola pela primeira vez.
Quisemos poder ensinar-lhe cada matéria complicada.
Queríamos não vê-lo decepcionar-se com coisa alguma.
Quisemos sempre estar perto. 
Aprendemos a nos conter, a deixá-lo experimentar. 
E como esse desprendimento dói. 
Assim como doíam muito os ensinamentos mais difíceis que tivemos de lhe dar, para que outros, sem o mesmo amor, não precisassem ensinar-lhe pela dor.
Vemos agora um ser  pleno,  independente em suas opiniões e sonhos.
Vemos que anda por si, seguro.
Pressinto o adulto afável e resoluto.
Só não sinto, nem consigo sentir, o fio de nossas almas tornar-se mais fino, que estranho.
Sinto-o mais espesso.
Veja que bonito, Deus... consigo ver aquela névoa!
A mesma que vi quando você, filho, dividiu nossa vida em duas partes, antes e depois de você.
Veja, Deus... 
Estou vendo, ali, em meio à bruma, o bebê  de olhos pequeninos que insiste em me fitar. 
Posso vê-lo antes e agora,  mudando nossas vidas.
Posso ouvi-lo dizer que veio para sempre.