quarta-feira, 27 de abril de 2011

Era uma vez muitas vezes.

Amigos seguem a gente e comentam as coisas. Ficam longe e quando aparecem, dão a impressão de que já estavam por aí. Chegam implicando com a careca, a barriga e até com a tinta no cabelo da gente. "Seu cabelo não era dessa cor... tá virando boiola?"

Então, conto aqui o seguinte: tinha eu uns 19 anos e meu amigo mais ou menos a mesma coisa, quando decidimos ir ao baile do sei-lá-o-quê numa cidade do interior de Minas onde morava o sobrinho dele, da mesma idade. Era um fim de semana.  Fomos de kombi, até que boazinha, pelos duzentos quilômetros que separavam Barbacena da tal cidadezinha. Que beleza entrar nas curvas com aquilo.

Mas a história é do baile. Depois de pescar o dia todo e até bater num peixe muito maior do que o anzol suportava (e quase apanhar do peixe), percebi que o sol havia me castigado muito mais do que devia. Tudo ardia, até meu humor. Lá fui eu enfrentar a fila do banho. Criança, velho, adulto e um chuveirinho de água quase morna. Mal consegui tirar o cheiro de raspa (aquilo feito de queijo que a gente usa pra chamar peixe).

Mas a história é do baile. Então, me vesti com o que tinha de melhor para seguir meu amigo na aventura de ir ao baile do não-me-lembro, para ver (e quem sabe alguma coisa mais) as meninas. E tome menina, porque o interior de Minas é aquilo que todo mundo já sabe. Bom. Bom não, muito bom. E perigoso também, naquele início dos anos 80.  Época de roupas estranhas, música de "discotheque" e pouco ou nenhum dinheiro no bolso. É, quase nada de grana. O que esperar de dois sujeitos feios, já meio gordos, que viajam 200 quilômetros numa kombi, com cheiro de queijo misturado com sabão de lavadeira? E duros?

Mas a história é do baile. Na época eu trabalhava em Barbacena, numa rádio de muita audiência entre as pessoas caridosas da minha família e os motoristas do ponto de taxi da esquina. Ah, trabalhava também num jornal semanal, da própria rádio, para conseguir juntar o que completasse o salário mínimo. A criatura amiga também trabalhava lá, como locutor e vigia da rádio. Daí nossa grande amizade. Ele dizia que eu era seu melhor amigo, mas só depois de um rato que lhe fazia companhia nas noites de medo dentro da rádio, que já tinha sido roubada duas vezes. Não foi a terceira porque acredito que os ladrões tiveram pena de voltar lá.

Mas a história é do baile. Pois é, lá estávamos nós diante da porta de entrada daquilo chamado clube municipal. Um sujeito feio coordenava o evento, dava ordens, atendia no balcão do que ele e mais alguns chamavam de bar, chutava os cachorros e fazia cara feia pra qualquer um. Dizem que a cara dele era daquele jeito mesmo, que estava até sorrindo. Desacreditei naquilo na época como desacredito agora e até na hora da minha morte amém. Nada contra, mas o cara olhava a gente e parecia olhar pra estrela dalva. Lá dentro tocava B.B.King sem parar ou qualquer coisa que falava nisso. Brylho? Acho que sim. Era época de Placa Luminosa, A Cor do Som, Brylho (que só fez esse tal sucesso do bibiking).

Mas a história é do baile. Chegamos e carteiramos. É, mostramos as credenciais da gloriosa rádio e jornal, estufamos o peito como repórteres da grande cidade que ficava a 200 quilômetros dali e que nunca tinha sido ouvida por ninguém nos arredores, ansiamos pela reação do porteiro que perguntou:
"legal, da rádio...compraram ingresso?" Lógico que não tínhamos comprado, com o quê? Só se vendêssemos as roupas. Tentamos argumentar. Entrei com o famoso papo de que ia cobrir o evento e dar todo o destaque na poderosa imprensa da minha cidade (influência zero sobre a cidade dele). Meu amigo já queria dar uma voadora. Segurei o valente. Foi aí que ficamos sabendo que só uma pessoa no mundo, abaixo do presidente da república, poderia nos franquear a entrada: o cara feio que olhava pra gente, via a estrela dalva e chutava os cachorros.

Mas a história é do baile. Queríamos entrar e ver as meninas. O som devia ser muito bom, porque o barulhão que chegava lá de dentro tinha me colocado surdo ali fora. Sabe como é, quando a gente está surdo fala mais alto. Fui argumentar com o cacique e já escutei dele: "num grita comigo não, rapaz, quem você pensa que é?" Pedi desculpas à excelência dono-organizador-feitor-proprietário do baile-beneficente-da-rua-aurora-do-sei-lá-onde e expliquei a história toda de novo, que eu e meu amigo estávamos ali para cobrir o evento, etc etc. Meu amigo entrou argumentando e já levando um empurrão. Barrados no baile. Que festa pro Eduardo dusek, se estivesse ali. Aliás, tive a impressão de ter ouvido essa música berrando lá dentro.

Mas a história é do baile. Ficamos do lado de fora, raspamos os bolsos. Eu achei dois botões e um anzol. Meu amigo achou um papel onde estava escrito pra ele não se esquecer de alimentar o rato da rádio. Saímos. Ruas vazias, todo mundo no baile. Menos nós. Damas não pagavam, cavalheiros sim, repórteres fajutos não pagavam, mas também não entravam. De tristes começamos a dar risada, voltando pra casa do sobrinho dele. De risadas passamos a sonoras gargalhadas. Das gargalhadas chegamos à falta de ar. Tentei lembrar minha tentativa de argumento às portas do clube tornei-me-um-ébrio-municipal. E tome risada.

Mas a história é do baile. Que baile? Pra gente não houve baile algum. Nunca fiquei sabendo como estava lá dentro. Até hoje não faço a menor ideia se estava bom ou não. Só me lembro do ditado que essa criatura, amiga de mais de trinta anos, criou na hora: "é, meu compadre, nóis é que nem galinha, tomamos no... e saímo cantando".

Bom amigo Zé Rural, Tarcísio Santos, protagonista dessa história, meu primeiro causo só poderia ser com você. Um grande abraço, criador do ditado que me faz rir até hoje e sem tomar nada. Graças a Deus.

Um comentário:

  1. Pode continuar escrevendo e escrevinhando causos das Minas Gerais. Parabéns! ( sem querer ser puxa saco)

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