sexta-feira, 29 de abril de 2011

Bons vendedores vendem qualquer coisa.

Sei lá se é verdade a frase acima.

Afinal, o bom vendedor descobre necessidades e vende o que pode cobri-las. É isso que venho aprendendo e ensinando. Mas... e se a gente conseguisse mesmo ser bom a ponto de vender até picolé diet pra esquimó?

Foi pensando assim que eu e João Canarinho saímos do escritório depois de uma das mais enjoadas reuniões de vendas que tive chance de participar. A filial da empresa no Rio ficava na Rua da Glória e nós nos  hospedávamos no Hotel Flórida, na Ferreira Viana, a um tiro de espingarda velha de distância (melhor não usar essa metáfora, em se tratando do Rio... digamos que o hotel ficava a um beiço de distância).

Quem já andou pela Glória sabe que os camelôs esticam o que chamam de toalha em plena calçada e colocam em cima um monte de quinquilharia. Sério, um monte de impensáveis coisas para vender:

- Fotos de Família (desconhecida).
- Relógios sem ponteiro (sujíssimos).
- Ventilador sem hélice (podres).
- Copo de liquidificador quebrado (muito).
- Pilha de rádio usada (enferrujada).
- Pires sem xícara e xícara sem pires (faz sentido).
- Jarrinhas de plástico (desbotadas).
- Garrafas térmicas faltando a tampa (juro).
- Vitrola sem a caixinha alto-falante (os mais velhos se lembram disso).
- Telefones de "galalite" sem o fone (procure no Google o que é galalite).

E por aí afora.

No esforço mais maluco para nos tornarmos os melhores vendedores do mundo, eu e Canarinho resolvemos parar por ali e mirar aquelas mercadorias, para achar necessidades que se encaixassem em improváveis benefícios.

Ali ficaram dois retardados focando bugigangas, ao invés de pegar o metrô e ir para o hotel.

Ficamos ali criando as situações mais bizarras, mais ainda que as próprias mercadorias.
Depois de alguns minutos falando bobagens, achamos por bem continuar a falta de serviço no caminho do metrô, estimulados pela cara de bons amigos que nos fez um dos camelôs, devidamente fardado em sua indefectível camiseta do Vasco. Melhor sair dali, até porque sempre fui flamenguista.

Canarinho:

- Aquela foto de família no porta-retrato de parede. É, aquela amarelada. Sim, com as pessoas apagadas. Tem excelente serventia! Excelente para algum pobre rapaz solitário, sem ninguém, sem referência. Nada melhor que um bom retrato de família, amarelado, antigo, para pregar na parede. O rapaz poderá dizer às visitas: "é minha família! Aquela da ponta é minha mãe e aquele bebezinho ali sou eu". Pensa no que isso pode fazer pela auto-estima dessa pessoa!

Pronto, estava estabelecido o perfil de consumidor e desenhada a estratégia de marketing para "fotografia de família para sem-famílias". Deu vontade até de sair fotogrando pela rua e criando porta-retratos pra vender.

De novo ele:

- Aquele telefone sem fone. Aquele preto. Pesado. (Eu imaginava o que poderia sair agora daquela cabeça; esse eu queria ver).
- Aquele telefone... é ótimo! Imagine uma pessoa nostálgica, de mais ou menos sessenta anos, com saudade de sua mãe falecida.
- Minha mãe não é falecida, disse eu.
- A mãe DELE!
- Ah.
- Então. Imagine que por anos a fio...e bota fio nisso, olha o fio que sobrou, todo esfiapado... imagine essa pessoa, que falou com a mãe usando um telefone desses. Veja... ela está pegando o fone preto, sentindo sua textura, correndo o dedo pelo disco... isso a está fazendo lembrar-se...
- Ah, não... lembrar-se do quê? A coisa nem fone tem! Nem se parece mais um telefone!

E por aí a gente prosseguia, inventando utilidades e imaginando clientes para aquelas traquitanas. E dando risada das bobagens que saíam. Queria seriamente que algum ser invisível tivesse gravado aquelas conversas que continuavam do metrô para o hotel, do hotel para o carro, do carro pela BR 040, com direito à parada no Alemão em Petrópolis, até chegar a Juiz de Fora e cada um seguir pra sua casa, com os maxilares doendo de rir e a boca seca de tanto falar maluquices.

Não nos transformamos nos melhores vendedores do mundo, obviamente, mas temos testemunha que tanto Canarinho quanto eu tiramos muito leite de pedra e vendemos muito, nas situações mais complicadas.

Ele está agora aposentado. Não duvido nada que esteja vendendo alguma coisa, nem que seja garrafa térmica faltando tampa,  porque uma cabeça igual àquela não consegue sossegar numa aposentadoria.


João Luiz Spada, Canarinho, meu grande amigo de vendas e projetos sonhadores. Você protagoniza essa história que, mesmo não querendo acreditar agora, sou obrigado a dizer que é completamente verdadeira.

4 comentários:

  1. e a camisa do camelô vascaino agora deve estar por la a vender..... para um dia q serviu de manto, do frio ou do amor incondicional a um time vice campeão, mas q por (h)ora servirá para um novo confiante torcedor.

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  2. Deve ter sido no mesmo lugar que um tal camelô vendia procerebbaterelogio....será que é assim que se escreve...tente ler. Bjs

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  3. Waldenir... excelente. Para um torcedor, uma camisa de seu time sempre será um manto sagrado... que o diga a minha velha do flamengo toda desbotada

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  4. Gleides... lembro bem, procérebroétrirelógi... hahahaha... essa história virá pra cá.

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