segunda-feira, 2 de maio de 2011

Eu e a Moto

Certas coisas não combinam: leite com queijo, vinho com uva, pão com rosca, eu com moto. Eu até gosto delas, mas elas não gostam de minha pessoa. Tentei, mais de uma vez, fazer amizade, mas o que consegui foram hematomas, arranhões e vexames.

Quando adolescente e duro tive um amigo, mais duro ainda, fascinado por moto. Ficava o dia todo me perturbando, contando como seria sua emoção no dia em que conseguisse uma, sentasse nela e saísse pelas estradas... vruummm... ventinho no rosto, etc.

Tanto me encheu com esse assunto que um dia lasquei:
- Pensa: tu não "sabe" dirigir nem andar de bicicleta e quer ter uma moto? Vai cair! Na hora da curva, aquele escorregão e plác, traplác, cataplác, pum (esse pum aí é a queda fnal).
E não é que ele comprou uma e se deu bem com a criatura? Parecia um elefante sobre rodas, mas isso é outra história que ainda conto.

Há muito, estava eu trabalhando no quinto andar de um clube em Barbacena, onde tinha uma salinha de advocacia, quando me aparece o amigo Kemil para uma visita (nunca mais voltou, porque o café era horrível e já estava fedendo na garrafa).

Antes do "cafezinho", o telefone tocou: eu havia esquecido em casa documentos importantes. Como precisava deles com pressa, Kemil, gentil como sempre foi, cedeu-me sua moto. Desprendido, ofereceu-me as chaves e explicou-me como encontrá-la na portaria do clube: - É uma DT 180 Trail, preta, lindona. Vai lá!

Fui, né? Chegando, divisei a moto. Preta, mas... lindona? Pensei: o Kemil tem problema. Ali estava uma motinha feia que nem a gia, pretinha fosca, pintada, com toda certeza, a pincel. Enfiei a chave no contato, virei, bati o pé no "massachussets" e.. ela pegou! Estava dando meia volta pelo clube quando a coisa morreu. Acho que afogou, catingava gasolina.

Imaginem a cena: um gordo de terno amassado, tentando fazer pegar uma motinha preta-fosca fedendo a gasolina, no centro da cidade, sob um sol lascado. Eis que surge, no meio do povo, saindo da calçada apinhada, um conhecido cujo nome não me lembro mais.

- Jairão, quer ajuda?
- Ah, sim, você entende disso? Essa moça aqui não quer pegar.
- Claro, tenho uma igualzinha.
- Oba.
- Ahn... vejamos... aqui tudo certo (olhando o afogador), aqui também... (olhando sei lá o quê), aqui... e, de repente, parou.
- O que houve? Engasgou?
- Não... não está engasgada não...estou vendo uma coisa.
- Não, VOCÊ engasgou? Ficou tão quieto de repente.
- É que... bem... cara, não sei o que dizer, mas ESSA MOTO É MINHA!!
- Como assim, sua?
- É minha!
- Não pode. É do Kemil, ele me emprestou, veja, tenho a chave, ela ligou e andou até aqui.
- Não! Essa moto é minha, você pode ter chave e o escambau, mas ela é minha! Olha os documentos aqui, olha!
- Hm... m-mas... co-como pode?
- "Deixeu" guiar, vai pra garupa.
- An? Como? (ainda estava sem entender coisa alguma)
- Senta aí atrás. E arrancou com a moto empinada, muito íntimo da pretinha-fosca. (Claro que empinou, ele um fiapo de gente e eu, bem, eu na garupa). Deu a volta no clube, pela rua principal, parou na outra porta.

Lá estava a tal DT-180 Trail, lindona, preta brilhante, com detalhes cromados. Coisa fina.
- Vê se não é essa aí a moto do Kemil. Conheço ele, rapaz de bom gosto, jamais ia ter uma feiura feito essa aqui.
- Er... ar... bem... sua moto não é feia, é só meio assim... singular.
- Feia, baixinha, CG-125, pintada por mim com esse pincel. E tirou sei lá de onde um pincelzinho, como querendo provar sua "expertise".

Foi-se deixou-me ali, ao lado daquela grandona, estilosa, brilhante. Fiquei pensando: e se eu não o encontrasse? E se ele chegasse do outro lado do clube e não encontrasse sua pretinha? Imaginei-me voltando com a moto dele e encontrando uma viatura da polícia e o pobre rapaz em lágrimas. Como explicar aquilo? Como um delegado acreditaria? Já imaginei a manchete (naquela época não acontecia muita coisa, tudo era motivo): Advogado foge com motocicleta roubada.

Chegando ao quinto andar, contei a história ao Kemil, que até hoje não acredita.

Por essas e por outras é que não duvido de ninguém, nem acredito de primeira. Permito-me sempre o direito da dúvida.

Ah, em tempo: antes de subir, tentei ligar a DT-180 Trail preta-brilhante-lindona. Ela não pegou.

2 comentários:

  1. Muuito bom!!! me lembro do Kemil...por onde será que ele anda...kkkk

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  2. Huahuahua bom dar risada logo cedo pelo caminho... Vou adaptar o termo feia para singular... Eu particularmente não gosto de moto não, tenho medo, principalmente as pintadas a pincel... rs... Rodrigo Castelucio

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